CAPÍTULO XV
Aquela manhã de março não poderia ter amanhecido mais bela no nosso Belo Horizonte, céu azul anil, bem-te-vi cantando na janela, árvores floridas que davam tom rosa à avenida Afonso Pena e … trânsito, muito trânsito! Mas não iria me atrasar para o meu primeiro dia, saí cedo, com folga, afinal mal tinha conseguido dormir aquela noite de tanta euforia, uma vida nova estava para começar!
Minha amiga de 100 anos de amizade me esperava na porta da casa dela no alto da Nossa Senhora do Carmo com seu Jipe carregado de coisas e um sorriso fraterno no rosto.
Pegamos a estrada ao som do sertanejo da rádio Estrada Real FM e, com muita prudência (quase que toda a viagem na pista da direita), após 2 horas de viagem eis o Pontilhão de Barbacena! Chegamos.
Aquele portão em frente à rotatória, ao lado da Bavesa, me separava dos próximos 3 anos que estariam por vir, adentramos.
– Mas é aqui o hospital?
Aquele espaço tão amplo, cheio de verde, jardins, flores, pessoas andando tranquilamente para cima e para baixo…
Foi preciso coragem para passar pela primeira vez por aquela ponte que, nada separava mas, unia os dois lados. Logo após a ponte, uma creche! Crianças eram conduzidas pela “tia” na faixa de pedestre com muita tranquilidade. Definitivamente, aquilo não parecia um hospital psiquiátrico.
Mais à frente uma igreja, logo ao lado a casa do padre e ali, bem de frente para a antiga estação de trem do colônia (hoje desativada, funciona uma fábrica de cimento), uma casinha simples, bem simples, mas cheia de coqueiros na frente, com ar bucólico e acolhedor, naquela temperatura super agradável de Barbacena (sempre uns 5 graus a menos que em BH)
Eu mal podia esperar para conhecer o lugar que seria a minha casa nos próximos 3 anos da minha vida. E logo ao entrar, que surpresa! Vários rostos conhecidos! Amigas de faculdade, de jornada, de PSF de Mariana… todos ali dividindo o mesmo teto e as várias experiências. Eu estava em casa.
Logo soube que tinha tomado a melhor decisão da minha vida, troquei uma residência de saúde mental por uma de psiquiatria! Afinal, sou médica, vinha de 2 anos de experiência de PSF (Saúde da Família), mais um ano trabalhando em pronto-atendimentos, de uma formação de excelência na UFMG… eu queria mais! E achei.
Aquele hospital que já sofreu tanto e ainda sofre com o estigma e preconceitos reforçados pela mídia sensacionalista, é hoje um HOSPITAL de excelência, com medicamentos de ponta que não se encontra na rede, com profissionais bem formados que amam o que fazem, com acesso à todas as especialidades em lócus (neurologia, cardiologia, nutrição, ginecologia, fisioterapia…), com foco na saúde, bem estar do paciente, cuidado humanizado e individualizado. Os pacientes têm ali disponível todas as modalidades de tratamento que forem necessárias para seu maior benefício.
A medicina avançou e o hospital avançou junto. Hoje existem LEIS, as internações são realizadas somente se há CRITÉRIOS MÉDICOS para tal, e é sim muitas vezes necessária. Nós que estamos ali na lida diária sabemos o quanto um paciente pode se beneficiar de uma internação. Mas se outros precisam de um atendimento ambulatorial de precisão, temos também! A residência conduz com maestria, sob orientação do Mestre Arnaldo, um ambulatório de alta complexidade e resolutividade.
E nesses poucos 3 anos que morei dentro do hospital colônia vi muita coisa mudar! O padre foi demitido, a casa do padre virou residência terapêutica. Vi muitos pacientes entrarem e sair, alguns não precisaram nunca mais voltar. Outros estão muito bem adaptados, têm o hospital como sua casa e não querem sair dali. Houveram aqueles que precisaram de um tratamento mais agressivo, ou morreriam, foram adequadamente encaminhados à eletroconvulsoterapia (ECT) no Instituto Raul Soares e tiveram a vida devolvida.
O hospital COLÔNIA foi casa, foi escola, foi lar. Tenho muito carinho por aquele lugar que me acolheu e me ensinou tanto. Ali aprendemos com pessoas que realmente viveram a história, são antigos funcionários, filhos de pacientes que se tornaram mestres e até mesmo os próprios pacientes que estão la até hoje sendo muito, mas muito bem cuidados! Eu não poderia ter tido a minha formação em lugar melhor.
Hoje conto a minha história. Fui la e vi. E vivi. Como é enorme a importância do contexto! Se eu não falasse, talvez não saberiam que tudo isso se passou em 2016… Mas hoje conto a minha história, meu ponto de vista.
E você, qual é o seu?
Meu nome é Melina, vivi 3 anos no HOSPITAL COLÔNIA DE BARBACENA…
… e não podia ter sido melhor!