A HISTÓRIA DA NOSSA PSIQUIATRIA SEM RODEIOS
A história da psiquiatria brasileira não é um capítulo à parte, está inserida em um contexto histórico, político, econômico e social que vai interferir diretamente no seu percurso. E a nossa história não difere muito da história do resto do mundo. Nossa cultura, idéias, filosofias, modelos e sistemas, como bem sabemos, vêm do outro lado do Atlântico.
A palavra “hospício” vem do termo hospice do francês e quer dizer HOSPEDARIA. Os termos “asilo”, “hospício” ou “hospital” eram usados indistintamente como sinônimos, no sentido de hospedagem destinada àqueles que dependessem da caridade pública, como os órfãos, os mendigos, os lázaros, etc.
Desde o início dos tempos a loucura é um fascínio, mas nem sempre foi tratada da mesma forma. A busca pela cura da loucura é uma longa jornada que ainda não terminou…
PRIMEIRO ATO
Até o século 16, os loucos eram embarcados em lúgubres navios, Naus dos Loucos, e despejados em terras longínquas.
· 1563 – À luz da Renascença (com Copérnic, Kleper e Galileu a revolucionar a concepção da relação do homem com o universo) foi colocado por Johann Weyer fim à ideia de que a loucura era possessão demoníaca. A ciência se consolidava como ferramenta de busca da verdade.
· 1793 – Na França, Philippe Pinel separa pela primeira vez os doentes mentais das outras figuras da miséria ao introduzir a função médica no Hospício de Bicêtre…
SEGUNDO ATO
Enquanto isso, no Brasil, a vinda da família real em 1808, estimulava o aumento progressivo das cidades e cada vez mais reclamos chegavam ao poder público para que se retirasse de circulação os “desocupados desordeiros”.
Na época, as ideias de Pinel ainda não havia nos alcançado e a prisão era destino comum dos criminosos, arruaceiros, vadios e loucos. Os casos mais evidentes de desarranjo mental, eram levados às enfermarias da Irmandade de Misericórdia – conhecida associação filantrópica leiga católica – o que não significava tratamento médico algum!
Na verdade, no que se refere às enfermarias de alienados da Santa Casa da capital imperial, parece que não havia vantagens com relação à Cadeia Pública.
· 1835 – José Martins da Cruz Jobim denuncia, em discurso na Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, a insalubridade dos porões da Santa Casa da Misericórdia e as péssimas condições em que vivem os loucos na cidade.
· 1841 – D. Pedro II sanciona o decreto de criação do primeiro hospício do Brasil que, construído por meio de subscrições públicas, seria uma homenagem à sagração do futuro Imperador (A criação de hospícios era vista com glamour pela sociedade moderna da época)
Observe-se que até o momento, a escravidão negra ainda não é questionada, dada como fato natural, porém há mobilização à favor da liberdade dos alienados.
Acionando-se a máquina do tempo, pode-se ver que logo o discurso dos médicos será incorporado pelos políticos, a alienação mental passa a ser colocada como enfermidade que necessita de tratamento em local especial: “ O lugar dos alienados não deveria ser entre os demais doentes, mas tampouco nas cadeias”.
· 1888 – Abolição da escravatura
· 1890 – Criada a primeira Escola de Enfermeiros e Enfermeiras do Brasil para suprir a lacuna deixada pelas irmãs de caridade ligadas à Santa Casa da Misericórdia.
TERCEIRO ATO
Enquanto isso, Barbacena disputava com Belo Horizonte o título de capital mineira. Após perder a disputa, um hospício foi dado à cidade como prêmio de consolação, atendendo aos interesses políticos e impulsionando à economia local.
· 1914 – realizados registros de queixas sobre as condições inadequadas de atendimento e superlotação
“Até o final da década de 50, o Colônia era carente de médicos. Psiquiatras e clínicos eram uma raridade por lá.” (Arbex, 2013)
Na década de 1950 descobriu-se a clorpromazina, comercializado sob o nome Torazina: O PRIMEIRO MEDICAMENTO PSIQUIÁTRICO DESCOBERTO
· 1955 – Usada, pela primeira vez no Brasil, a clorpromazina, medicamento que inaugura a categoria dos neurolépticos.
Até então os tratamentos disponíveis para a loucura não iam além da Morfina, Cocaína, Mesmerismo, Lobotomia, Trepanação, choque insulínico, Infecção por malária, hipotermia, entre outros… Hoje sabemos não serem eficazes, mas à época era o que se tinha.
· 1961 – A rotina do hospício é contada na revista O Cruzeiro, pelo fotógrafo Luiz Alfredo e pelo repórter José Franco. E o então presidente Jânio Quadros colocou o aparato governamental a serviço da instituição para reverter “o calamitoso nível de assistência dada aos enfermos”.
· 1966 – Em plena ditadura militar, um jovem médico faz a primeira denúncia pública contra Barbacena. Sem grandes respostas, em 1972, houve nova tentativa com a publicação do artigo “Críticas do hospital psiquiátrico” no Congresso Brasileiro de Psiquiatria.
Com estrutura precária, sem profissionais capacitados e sem verba para melhorias, o Colônia contava com dois funcionários para cuidar de mais de 200 pacientes e a maioria dos contratados não tinha formação.
No final dos anos 70, o psiquiatra Ronaldo Simões Coelho denuncia o Colônia e reivindicado sua extinção
· 1979 – O repórter Hiram Firmino e a fotógrafa Jane Faria publicaram a reportagem “Os porões da loucura”, no Estado de Minas. No mesmo ano, o italiano Franco Basaglia, desembarca no país e garantindo visibilidade mundial ao tema.
QUARTO ATO: O FIM DO COLÔNIA
· A Fundação Hospitalar de Minas Gerais (Fhemig), assume o Colônia e o chefe do Serviço leva a situação ao III Congresso Mineiro de Psiquiatria, começando a mudar a ordem das coisas
“Mas a autorização para dissecar Barbacena e os hospitais psiquiátricos mineiros só veio do então secretário de Saúde do Estado, Eduardo Levindo Coelho, médico natural de Ubá. E foi em meio a esse clima de transformação social que o professor universitário Paulo Delgado, natural de Lima Duarte, se elegeu deputado federal pela primeira vez, em 1986, como o mais votado do PT em Minas Gerais, instituindo em seguida a lei que leva o seu nome e que finalmente mudou os rumos da saúde mental no Brasil.” (Arbex, 2013)
Desde então 33 anos se passaram e MUITA coisa mudou.
A tecnologia explodiu, a medicina avançou e com a psiquiatria não foi diferente…
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(Continua…)
REFERÊNCIAS
ARBEX, D. Holocausto brasileiro. São Paulo: Geração Editorial, 2013.
ODA, A. M. G. R.; DALGALARRONDO, P. O início da assistência aos alienados no Brasil ou importância e necessidade de estudar a história da psiquiatria. Rev. Latinoam. Psicopat. Fund., VII, 1, 128-141, História da psiquiatria ano VII, n. 1, mar/2004.
ccs.saude.gov.br/memoria%20da%20loucura/mostra/retratos06.html
radioboanova.com.br/da-nau-dos-loucos-clorpromazina/
pablo.deassis.net.br/2012/09/uma-breve-historia-dos-psicofarmacos/
super.abril.com.br/blog/superlistas/5-tratamentos-psiquiatricos-bizarros-que-cairam-em-desuso/
portugues.medscape.com/features/slides/65000016